18.11.11

Conexão


Ela chegou à casa na qual trabalhava como empregada e logo notou algo estranho no chão: um pó amadeirado. Provavelmente eram cupins. Pensou que deveria avisar o patrão, mas nunca o encontrava. Quando chegava entrava com a chave que possuía, pois ele já havia saído. Ia embora antes dele voltar da empresa. Poucas vezes o via, e achava que ele deveria ter algum problema, sempre distraído com algum aparelho eletrônico.

Talvez fora isso que acabara com o casamento do patrão. A antiga esposa era do lar, uma criatura muito simpática e atenciosa, por quem a empregada se afeiçoara. Eram constantes as reclamações da esposa de que o marido não lhe dava atenção, que era ausente mesmo quando presente. Pouco mais de seis meses, o casal se separou. 

A empregada sentiu muito pela separação, também por seus próprios motivos: a casa vazia a incomodava, não tinha com quem conversar. Imaginava que era por isso que o patrão vivia com algum aparelho em mão, devia estar desesperado por alguma conexão. Deixou um bilhete avisando dos cupins.

Poucos dias depois, a empregada, enquanto limpava a cozinha, deparou-se com uma pequena casca de madeira na cadeira. Olhou para cima e para os lados, mas só encontrou mármore. Não havia plantas na casa.

Alguns dias depois, acabou por encontrar o patrão quando chegava para trabalhar. O olhar dele demonstrava espanto e ansiedade. Ela disse “bom dia”, ao que ele respondeu com um lento aceno de cabeça, e ela ouviu um galho se mexendo. Ele saiu rapidamente enquanto tossia forte. Na sala ela encontrou um bilhete: o patrão pedia que ela não entrasse mais no quarto dele e que a porta permaneceria trancada. Não havia explicação do porquê. 

A empregada não teve tempo para ficar curiosa a respeito do teor do bilhete, pois enquanto o manuseava, um pequeno pedaço de madeira perfurou-lhe o dedo e ela logo procurou um curativo, esquecendo as esquisitices do patrão. 

Quando chegou ao banheiro, deparou-se com uma cena inusitada: a pia estava coberta de folhas de árvore. Pequenas folhas, muito verdes e com manchas avermelhadas em cima. A empregada pegou uma para examinar. Levou uma folha para perto dos olhos, cheirando e observando bem. Quando percebeu do que se tratava, solto um grito. Era sangue.

O desespero a tomou. Há pouco tempo havia visto na televisão uma reportagem sobre assassinos seriais, e a reclusão de seu patrão a assustava mais do que nunca. Enquanto ia para a sala, deparou com a porta do quarto do patrão fechada. A curiosidade e o medo tomaram-na e ela tentou adentrar o quarto, sem sucesso. Mas ouviu um barulho lá dentro. Um barulho inumano. 

Passando mal, quis sair rapidamente da casa do patrão. Não sabia o que estava acontecendo, mas não era algo bom. Escreveu um bilhete qualquer pedindo demissão e lançou-se porta afora. No corredor, encontrou outra daquelas curiosas folhas no chão, exatamente onde o patrão havia estado antes de partir. Não olhou para trás enquanto correu.

Dias depois ainda não havia recebido o pagamento, mas também não tinha coragem de cobrar o ex-patrão. Tentara o contato telefônico, mas ele não atendia. E-mails não eram respondidos. Ela achou estranho, já que ele não desgrudava de uma tela e trabalhava com informática. Uma das amigas da empregada a convenceu a ir até a casa do ex-patrão acompanhada. As duas chegaram e bateram várias vezes, sem resposta. Chamaram o síndico do prédio para informações e ele afirmou que não via o homem há alguns dias e, portanto, iria abrir a porta e ver o que acontecia. 

Ao abrir o apartamento, nada notaram de estranho: estava tudo no lugar, não havia sinais de que alguém passara por ali. As cortinas da sala estavam fechadas, deixando o lugar escuro. Havia somente uma luz azulada, vinda do vão da porta do quarto do homem. Silenciosamente, os três chegaram perto e abriram lentamente a porta e logo se arrependeram. O quarto fedia a madeira e morte. 

Lá dentro, encontraram um enorme tronco que possuía ainda algum formato humano, mas seus galhos e ramificações retorcidos e esticados tomavam todo o lugar. De toda a madeira pingava sangue. Havia água e folhas espalhadas pelo chão, muitas pendiam do que antes deveria ser uma cabeça. Os galhos que antes eram mãos e olhos juntavam-se ao monitor de computador, atravessando a tela que, mesmo quebrada, ainda emitia luz. A empregada chegou perto do que fora o rosto de seu patrão e viu um pequeno filete de água escorrendo pelo que deveriam ter sido os olhos dele. Não sabia se ele chorara pelo que se transformara ou por finalmente ter se conectado a algo. 



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