31.7.12

Guarda-chuva

Ela chegou tropeçando e ofegante. Dobrou-se e colocou as mãos nos joelhos para recuperar o fôlego e lentamente levantou a cabeça. O sol brilhava intensamente e o céu era de um profundo azul. Sorriu satisfeita e aliviada, abriu e fechou o guarda-chuva para livrar-se das últimas gotas e sentou um pouco em uma pedra para descansar.

Olhou ao redor: estava em uma área muito seca. O chão era terra, pedras e poeira, não havia árvores, mas estava sol. Logo esquentaria demais e ela teria que se mover. O guarda-chuva protegia um pouco dos raios, mas ficar parada não adiantaria. Pegou a luneta para observar o caminho à frente: parecia haver mais árvores, mas também havia nuvens. De novo. Ela nem se atreveu a olhar para trás. Sabia o que havia lá e não voltaria. Descansou um pouco e logo se colocou em pé.

Ela chegou perto de árvores e lagos e pode suprir-se. O que tinha levado consigo no início já havia acabado, já que ela achava que depois desse tempo ela já teria chegado em seu objetivo. O silêncio e a falta de companhia pesavam sobre ela, mas não quis esperar anos para fazer a jornada. Tinha medo de mudar de objetivo, ou pior, de desistir.

Continuou a andar, sempre em frente. O clima foi esfriando, o chão fofo das árvores endurecendo. As poucas frutas que eram encontradas ou estavam caídas ou fora do alcance. Ela subiu em árvores e pegou quantas frutas pode, mas elas eram cada vez mais raras, e o esforço deixava-a com mais fome. Viu uma última fruta e tentou pegá-la, mas estava longe. Subiu na árvore, esticou-se, arriscou-se em cima do galho fino, mas ainda não alcançou. Então usou a ponta do guarda-chuva para empurrar levemente a fruta, que se desprendeu e caiu no chão, finalmente acessível. 

Ela continuou a andar e logo a chuva começou a cair. Gotas grossas enregelavam a pele e o vento forte dificultava o andar. O casaco não era suficiente para aquecer e não havia abrigo nem nenhuma caverna próxima. Mas o mais estranho é que a chuva machucava, não só pela imensa quantidade e força, ou pelo granizo que a acompanhou, mas havia um tipo diferente de ferocidade nela, que muito lembrava a raiva humana.

Usou o guarda-chuva para bater em uma árvore oca. Não era um abrigo perfeito, mas era o suficiente. Ela sentou na lama, tremendo de frio dentro da árvore e tapou a frente com o guarda-chuva. Dormiu pouco e mal, com todo o barulho, mas quando o dia despontou, mesmo estando escuro, ela levantou-se e continuou.

A chuva havia sido somente um prelúdio: pequenos flocos de neve espiralavam no ar e caíam, cobrindo a floresta de branco. Ela, um pouco mais acostumada ao frio, continuou. Em pouco tempo, o mundo era todo branco. Podia comer pinhas, mas não eram suficientes. Encontrou um lago recém-congelado e pensou que poderiam existir peixes ali, já que o gelo ainda era fino. 

Ela não podia subir no gelo ou ele quebraria e ela afundaria, e não estava protegida o suficiente para tentar quebrar com as mãos. Recorreu novamente ao guarda-chuva, batendo algumas vezes na superfície do lago, que logo cedeu. E ela se manteve por mais uns dias.

Olhou a luneta, mas só viu branco e continuou a andar para frente, de qualquer jeito. O frio e a neve continuavam, fazendo-a tremer até os ossos, congelando seus cílios e rachando toda a pele. Mesmo estando mais acostumada ao frio e praticamente com membros insensíveis, ela continuava andando, sem conseguir se aquecer, tropeçando no que ela não via e invariavelmente machucando-se. Em determinado momento, ela torceu o pé em uma raiz encoberta e, mancando, usou o guarda-chuva como bengala.

Ela conseguiu deixar a neve lentamente para trás, mas estava exausta, mesmo conseguindo um pouco de comida. Mas não achava água. Praticamente não andava, mas se arrastava, e o local que adentrou começava a ficar quente e seco, com o Sol sempre à vista para castigá-la. Um dia não aguentou e caiu no chão, sem forças, e dormiu.

Acordou, não sabendo quanto tempo havia passado, com gotas de chuva. Diferente da tempestade que enfrentou, era uma chuva suave, apesar da quantidade, que tornou o tempo mais agradável. Havia uma brisa no ar que não machucava, parecendo até mesmo sussurrar incentivos. Eram poucos e quase inaudíveis, mas estavam lá. Isso a animou a continuar.

Abriu o guarda-chuva ao contrário para conseguir juntar água para beber, pois aquela chuva lhe fazia bem, independente de onde viesse. E ela bebeu. Demorou alguns dias, mas ela conseguiu voltar a se colocar em pé. Chegou a outra floresta, mais agradável, e dessa vez planejou. Colheu, guardou sementes e comida, achou um lago e encheu o cantil com água. O caminho pareceu mais fácil depois disso, ela até conseguia aproveitar o canto dos pássaros, a beleza das flores.

Mesmo sendo um belo lugar, não era o objetivo, e ela precisava continuar. Pegou a luneta e viu, para grande alívio, que não estava muito longe. Precisava atravessar mais um campo hostil, com um céu repleto de nuvens negras e raios. Mas ela não se preocupou. Ela tinha um guarda-chuva.


0 comentários:

Postar um comentário