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28.8.12

O cão e a bola


O maldito cachorro voltou de novo com a bola na boca. Colocou-a no chão, alegre por tê-la pego, ficou balançando a cauda de um lado para o outro, arfando com a língua para fora e prestando atenção nos movimentos do velho, esperando que a bola fosse novamente jogada ou, talvez, um afago. Mas ele não iria receber.

O velho ranzinza não sabia o que fazer para se livrar do cachorro. Começara há alguns dias: uma bola, jogada pelo que o velho supunha ser alguma criança próxima a ele. O velho não devolveu a bola, e ninguém foi até ele rocurar. Irritado com a presença colorida do objeto, resolveu pegá-la e jogar para longe. Infelizmente para o velho, um cachorro sem dono passava por ali e, animado achando que alguém queria brincar com ele, saiu correndo atrás da bola. Pouco tempo depois retornou com a bola na boca e a colocou aos pés do velho, olhando-o com a expressão de felicidade que os cachorros normalmente têm.

O velho torceu a boca para baixo em claro sinal de descontentamento. Não queria o cachorro perto de si, então jogou a bola o mais longe que conseguiu. Poucos minutos depois o cão voltou, mais alegre ainda e até saltitante.

Então o velho teve uma ótima ideia: jogar a bola e ir para outro lugar para o cão não encontrá-lo. Mas o velho subestimou o animal, que o encontrou com facilidade. Por um bom tempo o velho tentou de tudo, jogou a bola várias vezes, até em um lago, em lugares difíceis, mas o cão sempre voltava.

Por vezes o cão tentava demonstrar carinho para o velho: tentava chegar perto, encostar a cabeça no colo dele. O velho rejeitava todas essas tentativas, se afastando, tentando espantar o cão com os braços, ou até fingindo que iria bater nele. O velho só queria ficar sozinho, por seus próprios motivos, e continuar ranzinza. A alegria daquele cachorro e a companhia dele o atrapalhavam.

Um dia o velho jogou a bola e o cão foi atrás, mas não tão animado. Até demorou para caminhar à procura do objeto, detendo-se um tempo observando o rosto do velho. Minutos se passaram e o cão não voltou. O velho achou estranho, mas sabia que em breve seria novamente perturbado. Uma hora se passou e nada.

Achando estranho, o velho, mesmo contra a vontade, e mais por curiosidade, foi atrás do cão. Procurou na direção em que jogou a bola, mas não o encontrou. A bola estava por ali, no meio da grama. O velho a pegou e olhou ao redor, mas não havia nada ali. Andou lentamente de volta para onde estava, mas algo deteu sua visão: o cão agora brincava com outra criança, que ria alegremente e corria atrás do animal. O velho apertou a bola porum instante, pensando em largá-la, mas seguiu em frente com a memória na mão.

7.8.12

Stalker


O empresário estava em seu escritório, cuidando dos próprios negócios, quando recebeu um email estranho:

“Ipad bacana o que o senhor comprou.”

Não havia mais nada escrito. O endereço de email eram letras e números aleatórios que deixavam claro que era falso. O empresário ficou pouco preocupado: nesses dias todos compravam aparelhos eletrônicos, e o email podia ter sido entregue errado.

Assim ele achava, até que mais emails chegaram, cada vez mais íntimos.

“Foi almoçar com os amigos do trabalho no restaurante X? O peixe de lá é delicioso.”

“Eu também gosto muito de Brotas, mas ainda não conheci a pousada na qual você ficou, a Lua Azul.”

“Adoraria presentear meus filhos com um x-box e kinect como você fez.”

Até que um dia os emails chegaram ao cúmulo da perseguição.

“Sr. Silva
Tenho tentado te contatar, mas você me ignora. Por quê? Acha que devo tentar ser mais pessoal? Posso me tornar amigo de suas filhas, esperando-as saírem da escola ABC às 13h como fazem sempre, ou esperar sua esposa no trabalho dela, ou mesmo te visitar em sua casa.
O que prefere Sr. Silva?”

O empresário estava apavorado. Estava sendo perseguido, tendo todos os detalhes da vida e da família vigiados. Respondeu que o deixasse em paz ou chamaria a polícia, e recebeu a resposta:

“Eu saberei quando o fizer. Mas você saberá quando suas filhas sumirem?”

O empresário entrou em pânico. Perguntou o que o perseguidor queria, mas já sabia; dinheiro. Muito dinheiro. O empresário pediu tempo para considerar, mas a cada dia que passava ficava mais paranoico. Cada email que recebia era uma tortura. Logo, mal saía, deixava de encontrar com os amigos, mas não adiantou. Ainda recebia informações acuradas sobre sua família. Contratou seguranças, mas sem sucesso. Pensou em ceder à chantagem, mas teria que pagar eternamente. Queria fugir, pedir ajuda, mas não confiava em ninguém. Começou a imaginar sombras o perseguindo.

Começou a ver um psicólogo e pediu transferência de cidade. Não aguentava mais. Vigiava as filhas, a esposa, mas queria tranquilidade.

Mudou de cidade, mas antes tirou férias prolongadas com a família em outro país, sem avisar ninguém, e proibiu o contato com qualquer outra pessoa e mesmo telefonemas e internet. Os emails, até então incessantes, subitamente pararam.

Enquanto isso, na cidade anterior, um rapaz adolescente suspirava. O empresário que tentava extorquir tinha desaparecido. As atualizações do facebook, foursquare e twitter tinham parado, ninguém da família postava mais nada, nem fotos, nem curtiam nada, nem respondiam aos amigos. Entrou em outro grupo de empresários de certa empresa da cidade, e procurou alguém com perfil aberto. Teria que começar tudo de novo...