O Sr. Cogumelo levantou-se cedo naquele dia. Eram seis da manhã e ele precisava ir trabalhar. Tomou café e um banho rápido e então fez a rotina de sempre: foi até o único espelho da casa e passou cremes, diversos cremes. Como um pintor detalhista, ele se olhava de todos os ângulos, buscando a perfeição, não deixando de lado nem o bigode.
Os conhecidos do Sr. Cogumelo
obviamente não sabiam que ele usava maquiagem, e nem deveriam. Era para a
segurança do Sr. Cogumelo. Se o vissem sem, o deixariam de lado, talvez até
corressem dele. Alguém poderia ajudá-lo, mas ele não sabia qual era o problema
de seu rosto. E nunca iria a um médico descobrir.
O Sr. Cogumelo ia a pé para o
trabalho, de tão perto que era. Alguns quarteirões e estava lá. Antes passava
por uma cafeteria. Cumprimentava todas as atendentes, sorria e brincava com elas.
No fundo, ele não gostava muito delas. Ele não entendia o que uma dizia por
causa de um sotaque que só podia ser de alguma parte do país que ele
considerava ter pessoas ignorantes. Mas ele relevava esses detalhes irritantes
e sorria para tudo.
No caminho encontrou um velho
amigo da escola. Não era bem um amigo, era mais um conhecido que ele aturava,
sempre a falar feliz de seus animaizinhos e do abrigo que ele tinha. Eram
lindos sim, e o amigo sempre perguntava se o Sr. Cogumelo não queria um. Ele
até pensava em adotar um, mas tinha medo que o bicho lambesse o rosto dele e
tirasse a maquiagem. O amigo também pedia para divulgar o abrigo e talvez assim
conseguir alguma ajuda financeira. O Sr. Cogumelo sempre dizia que comentava
com todos, mas não o fazia. Talvez uma ou outra vez. Mas nem pensava em dar
dinheiro para ele. Não tinha nada sobrando, com tantas compras em vista: um
veículo, uma viagem, um videogame, uma TV, um celular... E ele já tinha
comentado uma vez no trabalho, em uma festa no final do ano retrasado. Era o
suficiente.
Finalmente no trabalho, achou que
teria um dia tranquilo. Seu trabalho era fácil, de escritório, sentar em uma
mesa, sorrir para os colegas e conversar coisas inúteis o dia todo. E pagava
até que bem. Claro que sempre tinha aquele menos afortunado, que tinha a má
sorte de ter estudado mais para um cargo que mal pagava e o pior, não tinha
contatos. O Sr. Cogumelo tinha contatos, obviamente. E o desafortunado
conversava numa boa com o Sr. Cogumelo, parecendo não ter interesse. Mas o Sr.
Cogumelo desconfiava. Poderia ser só um jogo, ele se fazer de coitado para
conseguir uma indicação e até pegar o lugar do Sr. Cogumelo! Por isso ele não
indicava ninguém. Até falava que indicava, mas não o fazia. E se perguntassem
sobre a pessoa, se fazia de desentendido. A não ser que dessem presentes para
ele. Ou apresentassem alguma cogumelo bonita. Aí a história era outra.
E o Sr. Cogumelo voltou para casa
depois de mais um dia normal. A maquiagem segurou-se direitinho e mal precisou
ser retocada. Ele tomou banho e foi enfrentar o espelho do banheiro. Parecia
uma infecção por fungos. Seu rosto estava acinzentado e esverdeado, com falhas
e furúnculos, como se apodrecesse. Algumas partes pareciam quase se descolar.
Era muito feio. Ele até pensou em usar uma máscara, mas iam perguntar o porquê
dela. Maquiagem era mais fácil. Passou cremes de rejuvenescimento, plantas
aleatórias que os hippies diziam funcionar – e ele não acreditava, mas usava
mesmo assim, e foi dormir. Logo chegaria outro dia para acordar cedo e se
arrumar.
*As desventuras do Sr. Cogumelo é uma série composta de vários minicontos narrando pedaços da vida desse curioso ser que é o protagonista.*
*As desventuras do Sr. Cogumelo é uma série composta de vários minicontos narrando pedaços da vida desse curioso ser que é o protagonista.*
1 comentários:
Thata... Amo demais ler seus escritos! Eles tocam minha alma e refletem aquilo que vejo em meus espelhos...
Com seu conto pude refletir sobre nossa existência: somos feitos de espelhos. E mais: enxergamos no espelho aquilo que queremos que nossos olhos vejam, pois são as imagens dos outros olhares que também constitui nosso próprio jeito de olhar.
Quantas e quantas vezes nós usamos maquiagem para disfarçar os traços dos nossos rostos na tentativa de escondê-los de nós mesmos? Traços físicos e traços emocionais...
Enfrentar os espelhos que retratam nossa vida é algo singular! Enfrentar nosso próprio espelho é o nosso maior desafio!
Espero e desejo muito que no decorrer dessa trama o Sr. Cogumelo possa olhar para seu espelho reconstruindo esta imagem que hoje tem de si, ao perceber que a importância maior de sua trajetória de vida não deve estar na feiúra dos furúnculos que o tempo traz em seu rosto, mas nas marcas de vivência das quais estes furúnculos contam sobre sua história...
Que minhas beijocas reflitam em seu espelho e lhe deixem marcas de maquiagem cor de rosa em seu rosto! =)=)
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