25.11.12

As desventuras do Sr. Cogumelo: O Espelho


O Sr. Cogumelo levantou-se cedo naquele dia. Eram seis da manhã e ele precisava ir trabalhar. Tomou café e um banho rápido e então fez a rotina de sempre: foi até o único espelho da casa e passou cremes, diversos cremes. Como um pintor detalhista, ele se olhava de todos os ângulos, buscando a perfeição, não deixando de lado nem o bigode.

Os conhecidos do Sr. Cogumelo obviamente não sabiam que ele usava maquiagem, e nem deveriam. Era para a segurança do Sr. Cogumelo. Se o vissem sem, o deixariam de lado, talvez até corressem dele. Alguém poderia ajudá-lo, mas ele não sabia qual era o problema de seu rosto. E nunca iria a um médico descobrir.

O Sr. Cogumelo ia a pé para o trabalho, de tão perto que era. Alguns quarteirões e estava lá. Antes passava por uma cafeteria. Cumprimentava todas as atendentes, sorria e brincava com elas. No fundo, ele não gostava muito delas. Ele não entendia o que uma dizia por causa de um sotaque que só podia ser de alguma parte do país que ele considerava ter pessoas ignorantes. Mas ele relevava esses detalhes irritantes e sorria para tudo.

No caminho encontrou um velho amigo da escola. Não era bem um amigo, era mais um conhecido que ele aturava, sempre a falar feliz de seus animaizinhos e do abrigo que ele tinha. Eram lindos sim, e o amigo sempre perguntava se o Sr. Cogumelo não queria um. Ele até pensava em adotar um, mas tinha medo que o bicho lambesse o rosto dele e tirasse a maquiagem. O amigo também pedia para divulgar o abrigo e talvez assim conseguir alguma ajuda financeira. O Sr. Cogumelo sempre dizia que comentava com todos, mas não o fazia. Talvez uma ou outra vez. Mas nem pensava em dar dinheiro para ele. Não tinha nada sobrando, com tantas compras em vista: um veículo, uma viagem, um videogame, uma TV, um celular... E ele já tinha comentado uma vez no trabalho, em uma festa no final do ano retrasado. Era o suficiente.

Finalmente no trabalho, achou que teria um dia tranquilo. Seu trabalho era fácil, de escritório, sentar em uma mesa, sorrir para os colegas e conversar coisas inúteis o dia todo. E pagava até que bem. Claro que sempre tinha aquele menos afortunado, que tinha a má sorte de ter estudado mais para um cargo que mal pagava e o pior, não tinha contatos. O Sr. Cogumelo tinha contatos, obviamente. E o desafortunado conversava numa boa com o Sr. Cogumelo, parecendo não ter interesse. Mas o Sr. Cogumelo desconfiava. Poderia ser só um jogo, ele se fazer de coitado para conseguir uma indicação e até pegar o lugar do Sr. Cogumelo! Por isso ele não indicava ninguém. Até falava que indicava, mas não o fazia. E se perguntassem sobre a pessoa, se fazia de desentendido. A não ser que dessem presentes para ele. Ou apresentassem alguma cogumelo bonita. Aí a história era outra.


E o Sr. Cogumelo voltou para casa depois de mais um dia normal. A maquiagem segurou-se direitinho e mal precisou ser retocada. Ele tomou banho e foi enfrentar o espelho do banheiro. Parecia uma infecção por fungos. Seu rosto estava acinzentado e esverdeado, com falhas e furúnculos, como se apodrecesse. Algumas partes pareciam quase se descolar. Era muito feio. Ele até pensou em usar uma máscara, mas iam perguntar o porquê dela. Maquiagem era mais fácil. Passou cremes de rejuvenescimento, plantas aleatórias que os hippies diziam funcionar – e ele não acreditava, mas usava mesmo assim, e foi dormir. Logo chegaria outro dia para acordar cedo e se arrumar.



*As desventuras do Sr. Cogumelo é uma série composta de vários minicontos narrando pedaços da vida desse curioso ser que é o protagonista.*

1 comentários:

Thata... Amo demais ler seus escritos! Eles tocam minha alma e refletem aquilo que vejo em meus espelhos...

Com seu conto pude refletir sobre nossa existência: somos feitos de espelhos. E mais: enxergamos no espelho aquilo que queremos que nossos olhos vejam, pois são as imagens dos outros olhares que também constitui nosso próprio jeito de olhar.

Quantas e quantas vezes nós usamos maquiagem para disfarçar os traços dos nossos rostos na tentativa de escondê-los de nós mesmos? Traços físicos e traços emocionais...

Enfrentar os espelhos que retratam nossa vida é algo singular! Enfrentar nosso próprio espelho é o nosso maior desafio!

Espero e desejo muito que no decorrer dessa trama o Sr. Cogumelo possa olhar para seu espelho reconstruindo esta imagem que hoje tem de si, ao perceber que a importância maior de sua trajetória de vida não deve estar na feiúra dos furúnculos que o tempo traz em seu rosto, mas nas marcas de vivência das quais estes furúnculos contam sobre sua história...

Que minhas beijocas reflitam em seu espelho e lhe deixem marcas de maquiagem cor de rosa em seu rosto! =)=)

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